segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Passo Seguinte - Parte I

Era uma noite muito quente, o que contribuía bastante para que o bar localizado no bairro Santa Mônica estivesse lotado. O calor foi supostamente o principal motivo para que o grupo de amigos se encontrasse ali. Eram seis no total.  Conversavam todos, muito alto, na verdade nem todos, pois uns pareciam serem mais narradores do que outros, mas conversavam assim porque o barulho no bar era muito alto e não havia outra maneira para que pudessem se comunicar.
Sentado-se à mesa ao lado estava Nicolas, bebendo sozinho. Como as mesas estavam muito próximas e de todos os sons que ele podia captar no bar o mais interessante parecia ser a conversa daqueles jovens, começou a escutar atentamente o que falavam.
- Cara, é absurdo essa questão da Copa. Vocês viram o vídeo daquele despejo? A polícia desceu o cacete em todo mundo. Puta que pariu! Mas eu boto fé demais que esse ano o bicho vai pegar, não sei não se vai ter Copa tão fácil assim. O que vocês acham? – Quem dizia isso era um rapaz negro, bastante magricelo e alto, com o cabelo estilo “black Power". A expressão do seu rosto transparecia que aquele assunto sobre o qual estava discorrendo era bastante grave, dava para ver isso nas contrações de sua face. Gesticulava com os braços e as mãos em movimentos bastante enérgicos e firmes. E no fim de cada frase terminava sempre por bater a mão direita sobre a palma da mão esquerda aberta.
A roupa desse rapaz era bem parecida com as dos demais rapazes que estavam na mesa: camiseta colorida meio amarrotada sem estampa, uma calça jeans e um “sapatênis” surrado. A diferença era a cor das camisetas e dos sapatos, a dele, no caso, era uma camiseta laranja.
- O foda é que aqui em Uberlândia não é cidade sede da Copa. Se fosse, eu acho que a gente podia tocar o terror aqui também – dizia outro rapaz de camiseta roxa. Este fazia movimentos menos bruscos para expressar sua fala do que seu colega.
- Ah, mas mesmo que aqui não seja, eu boto fé que a gente pode tentar ir pra alguma cidade sede e participar das manifestações, dá pra ficar na casa dos nossos amigos. – Respondeu uma moça, bastante magra, de cabelos loiros um pouco ondulados e pele clara. Ela vestia uma blusa cavada e muito colada ao seu corpo e com um decote que destacava seus seios, mesmo que pequenos, e na parte de baixo um saião estilo hippie que em boa parte do tempo escondia as sandálias de couro que calçavam seus pés. Uma outra moça vestia algo bastante semelhante, mais uma vez o que se alterava eram as cores das roupas, somente a terceira que mudava um pouco o estilo, trocando o saião por uma calça jeans e as sandálias por um tênis. O que se destacava nessa terceira era uns óculos quadrados bem grandes e de um vermelho muito chamativo.
Nicolas não só escutava a conversa, mas reparava em cada detalhe desses jovens, nesse estilo das roupas, na postura deles, na maneira como gesticulavam para se comunicarem uns com os outros. Reparava que parecia ser um jeito agressivo e impositivo. Pensava “o que é que eles vão fazer com toda essa raiva?”. Sem deixar de prestar atenção neles, sacou um maço de cigarros amassado do bolso da camisa e puxou um cigarro tão amassado quanto o maço e colocou-o na boca e perguntou para os jovens se eles tinham isqueiro. Prontamente a moça de estilo hippie, não a loira, mas uma morena que tinha os cabelos cortados bem curtos e um corpo mais destacado do que o da outra esticou o braço em direção à boca de Nicolas e ascendeu o cigarro com seu isqueiro.
- Oh! Obrigado, nem precisava de tanta gentileza.
- Que isso moço, de boa – respondeu ela dando uma risadinha antes de começar a frase.
A garota fumava um cigarro de palha e, depois que respondeu, lançou um olhar mais atencioso em direção à Nicolas para observá-lo melhor. Ela avistou um homem que provavelmente já deveria estar na casa dos quarenta anos, cabelos castanhos bem finos e em grande quantidade, partidos de lado, moreno claro que usava uma camisa verde escura, calça jeans já com a cor desbotada presa por um cinto de couro preto e nos pés uma botina um pouco gasta. Olhando as vestimentas do homem, pareceu a ela que fosse desses funcionários públicos que estava na base da pirâmide da hierarquia e que já estava bem cansado por todos os anos de dedicação ao serviço, porém, sem grandes recompensas. Mas quando olhava em seu rosto percebia algo diferente. A expressão era bastante séria, mas tal seriedade não parecia advir do cansaço aparente dele, mas sim porque estava imerso em pensamentos profundos, sentado ali fumando o seu cigarro, foi também nesse exato momento onde percebeu que esse homem estava atento à conversa na mesa deles. Porém, ao mesmo tempo parecia conseguir escutar tudo o que diziam e ainda continuar imerso nos seus pensamentos. E que pensamentos eram aqueles? Será que eram interessantes? Tudo isso estava deixando Sônia muito curiosa.
- Você não acha cigarro de palha muito forte? Não que meu Marlboro vermelho também não seja, aliás, talvez essa porcaria que estou fumando seja muito pior – Nisso Nicolas tirou seu cigarro da boca e ficou olhando-o – Mas não sei, esses palheiros parecem um soco no pulmão quando a gente levanta e, industrial por industrial, eu to preferindo as indústrias de grande porte – Depois disso, soltou uma risadinha curta e maliciosa.
- Ué, como assim? Você prefere as indústrias de grande porte pra que? O senhor vai me desculpar, mas só se for pra morrer mais rápido.
Nisso Nicolas pareceu um tanto sombrio e não respondeu de cara a pergunta da menina, parecia pensar sobre o que ela lhe falou. Todos os jovens da mesa ficaram olhando pra ele na expectativa de uma resposta e pareciam até um pouco assustados pelo tom que a garota dos óculos vermelhos usou.
- Morrer mais rápido. Talvez realmente seja isso, morrer mais rápido – Respondeu Nicolas quebrando o silêncio – Se todos nós, dia após dia, nos definhamos no vício, porque tentar burlá-lo? Os alcoólatras que encham a cara da cachaça mais barata, os fumantes que fumem o pior cigarro que exista, um que queime a garganta e o pulmão. Felizes dos maconheiros que nunca morrem de overdose, talvez o máximo que aconteça com eles seja morrer de tanto comer, que se afoguem em muita gordura saciando suas respectivas laricas.
Não se sabe se essa última frase proferida por Nicolas realmente foi uma piada, mas ela pareceu bastante cômica para os jovens e eles desataram a rir escandalosamente.
- Mas por que riem? – disse Nicolas um pouco irritado – Isso é uma questão muito séria meus pequeninos. Qual é o nome de cada um de vocês? – O tom em que proferiu a frase cortou instantaneamente o riso.
- Carlos – disse o de camiseta laranja.
- Beatriz – a moça loira.
- Eduardo – o de camiseta roxa.
- Manoel – um terceiro rapaz que estava de verde.
- Júlia – a dos óculos vermelhos.
- Sônia.
- Muito bom, muito bom, pequeninos, o meu nome é Nicolas, encantado por conhecer vocês – esse novo tom rebuscado que assumira fazia com que os jovens soltassem risinhos de canto de boca, contidos para que não o irritassem mais uma vez e para não ficar tão escancarada a vontade de debochar que tinham.
- Mas por que o senhor tá chamando a gente de pequeninos? O senhor é louco? – proferiu Júlia mais uma vez uma de suas frases fortes.
Então Nicolas soltou uma forte gargalhada e disse:
- E você não é? Desculpe então chamar vocês de pequeninos, mas é que, de fato, são e nem percebem. Enquanto a minha loucura, ela não difere de várias outras que se encontra em algumas páginas de uns bons livros.
Tentando disfarçar Beatriz se aproximou do ouvido de Carlos e cochichou:
- Falou então o maluco com mania de grandeza – O rapaz respondeu somente com mais uma risadinha contida.
- No fim das contas, todo mundo é – comentou ironicamente Júlia.
Parecia ser ali o fim da conversa entre ambos, os jovens voltaram seus corpos para o centro de sua mesa para retomar a conversa em que estavam e Nicolas bateu o cigarro para derrubar a cinzas que como ele ficou muito tempo sem fumar já estavam ficando maiores do que o próprio cigarro. Serviu mais um copo de cerveja para si e retornou ao que fazia antes, no caso aos seus pensamentos e a escutar a conversa das moças e rapazes da mesa ao lado.
Reparou também que sua cerveja estava acabando, decidiu tomar numa só golada tudo que tinha no seu copo para poder terminar o resto da garrafa e pedir outra. Ao virar o copo e batê-lo na mesa, levantou-se e foi ao banheiro. Chegando lá tinha dois caras na fila.
- Porra! Eu tinha que ter pedido outra cerveja. Foi pra isso que eu levantei e não pra ir ao banheiro. Vou lá pedir. – saiu então da fila e deu dois passos em direção ao balcão, mas parou e girou seu corpo em cima do calcanhar direito tornando a colocá-lo em direção a fila do banheiro.
- Mas se eu sair da fila pra ir pegar outra cerveja, provavelmente, quando voltar, a fila vai estar muito maior. Merda de indecisão! – enquanto sua mente não chegava a uma conclusão, ficou parado ali mesmo e passou um olhar naquela parte interior do bar descobrindo assim da onde surgia tanto barulho.
A composição das mesas, em sua maioria, era bastante parecida com a mesa dos jovens que estavam sentados ao seu lado. A maioria que estava ali era daquela mesma faixa etária, mudavam os estilos das roupas, mudavam os temas das conversas, mas uma característica principal permanecia: todos tentavam gritar mais alto do que os outros com a necessidade extrema de despejar todas suas angústias e pérolas de exibição, mas poucos paravam para ouvir essas mesmas questões.
- Puta merda! Desde quando o mundo ficou tão homogêneo? Eu sei que já tem muito tempo, mas parece que a coisa tá cada vez mais próxima do buraco. E que música é essa? – a música vinha de umas caixinhas que ficavam espalhadas por todo bar, no caso estava tocando uma música famosa contemporânea do estilo sertanejo universitário que dizia respeito sobre como os homens “pegariam” as mulheres na “balada”. Nem todos ali no bar pareciam gostar daquela música, mas a canção só contribuía para que todos falassem mais alto ainda.
Quando Nicolas se voltou para a fila do banheiro, viu que ainda tinha uma pessoa na sua frente e pensou “será que ela cortou fila de mim? Ou será que nem passou tanto tempo assim? Ah, que se foda o banheiro! Qualquer coisa eu “mijo” na rua. Saiu da fila e seguiu em direção para retornar a sua mesa, porém, caminhado uns cinco passos adiante, trombou com uma garçonete e aproveitando a ocasião pediu mais uma cerveja.
Chegando olhou para a mesa daqueles jovens e já pareciam estar bem “altos”, os rostos mais avermelhados, os gestos de todos, mesmo que em proporções diferentes, mais rápidos e agitados e as gargalhadas altas aconteciam com maior frequência. A conversa seguindo o fluxo de todo bar já acontecia aos gritos também.
- Mas, afinal, eu demorei ou não demorei tanto tempo lá dentro? Não é possível, ainda não deu tempo dos pequeninos estarem bêbados. – nisso reparou que um deles estava com o pé em cima de sua cadeira – Qual é mesmo o nome desse moleque? Manoel! Sim, Manoel. – Manoel era um rapaz moreno e robusto, não muito alto, de estatura mediana, porém era o mais sorridente de todos, tinha um sorriso bem largo, parecia que sua boca tinha o dobro do número de dentes e suas piadas apesar de bastante chulas, de tão sinceras que eram pareciam divertir muito todos ali.
- Tira o pé da minha cadeira, fedelho – disse Nicolas.
- Olha o tanto que esse velho é louco, uma hora ele tá chamando a gente de pequenino, de repente já volta tirando onda com a nossa cara – Respondeu Manoel, tirando o pé da cadeira de Nicolas e fazendo os outros rirem com esse comentário. Depois das risadas, todos deram uma olhada para Nicolas e fizeram um gesto pequeno com a cabeça, balançando para um lado e para outro, demonstrando assim uma mistura de negação com escárnio.
Nicolas sentou sem olhar e sem dar consideração alguma para os jovens. Tirou novamente o maço de cigarros do bolso, deu uma batida por debaixo dele com um dedo e um cigarro pulou de lá e apanhou-o diretamente com a sua boca. Nisso puxou uma caixa de fósforos do bolso esquerdo da sua calça e com muita classe protegendo o cigarro do vento com as mãos ascendeu. Aquilo tudo pareceu uma cena de filmes de faroeste.
- Caralho! Como você fez isso? Eu sempre tento fazer esse truque, mas nunca consigo – disse Manoel olhando para Nicolas surpreso.
- Então ele tinha uma caixa de fósforos e pediu isqueiro só pra puxar conversa com a gente, né?– disse ironicamente Júlia voltando-se para Sônia.
- Ué, mas talvez ele comprou quando foi lá dentro, você não sabe. Para de implicar com ele, nunca vi. – respondeu Sônia.
- Iiii já tô vendo que tem gente que tá toda interessada pelo tiozão. – retorquiu Júlia com todo o seu veneno.
- Ai meu deus, me deixa quieta, presta atenção aí na conversa.
A conversa parecia ser mais uma vez sobre algum assunto político.  Carlos parecia ser mais uma vez o narrador central:
- Cara, esse é um momento muito interessante. Toda hora surge um fenômeno inesperado, espontâneo.
- É, e da pra ver que esse tipo... – tentou Beatriz começar algum tipo de raciocínio, porém foi cortada bruscamente por Carlos.
- Tem que pegar essa galera e dar alguma orientação pra eles. Eles precisam de um projeto político concreto, se não pode ocorrer o mesmo risco das jornadas de junho, fica algo com muito potencial, mas sem pauta, esvaziado de conteúdo.
- Mas talvez não seja bem assim, por que tipo... – mais uma vez tentou Beatriz dizer alguma coisa, mais uma vez foi interrompida por ele.
- Por que agora é diferente – continuou dizendo Carlos – agora é a galera da periferia que tá tocando no ponto central do capitalismo, tá invadindo o maior templo de consumo deles. É uma questão de afirmação, tanto racial como enquanto classe social, mas também não é só isso. Quando a galera cola no shopping, tem muitos que nem estão abrindo, consequentemente está impedindo o consumo, está prejudicando o lucro das empresas. Isso é genial!
- Beleza, Carlos, boto muita fé no que você disse, mas acho... – começou a dizer Eduardo – que a gente tem que tomar muito cuidado com esse lance de dar linha política e tal, da questão do projeto político que você falou. Acho que realmente tem que ter um projeto, mas a questão é construir ele coletivamente, sem hierarquias, se não já vão começar a acusar a gente de vanguarda, farol da revolução e blá, blá, blá.
- Pois é, era isso que eu queria dizer se o Carlos não ficasse me interrompendo toda hora – disse apressadamente Beatriz antes que fosse interrompida mais uma vez e finalizou o seu comentário com um sorriso que parecia ser um misto de ironia com frustração.
- É isso! – gritou de repente Nicolas – É essa a tragédia de vocês pequeninos. Reparem. É nítido. Vocês mesmos conseguem sentir isso. Proclamam a própria libertação e, ao mesmo tempo, causam o próprio caos – Falava e gesticulava isso duma maneira tão espantosa, tinha até se levantado da cadeira. Era como se estivesse conduzindo uma orquestra, até lembrava Beethoven.  Aliás, os seus gestos eram tão bruscos com as mãos e os braços que isso realmente fez com que seus cabelos se esvoaçassem, lembrando de fato a figura do grande maestro.
- Vocês pequeninos, vocês têm uma fórmula perfeita de mundo. Sabem exatamente como tudo deve ser, mas não sabem como chegar até lá. Aliás, sabem sim. Basta ganhar a consciência das pessoas, não é assim que dizem? Ganhar a consciência! E quando todos estiverem esclarecidos assaltarão o Estado de uma vez. Para isso, é preciso pegar em armas, não é? Claro, a revolução tem que ser sangrenta, qual não foi? Mas aí vocês dirão: mas também não é assim. Existem as reformas, as reformas também são importantes, tudo é um processo, um processo histórico, mesmo que sejam graduais, elas são importantes para realidade concreta das pessoas, a realidade material. Mas o que importa mesmo é tomar o Estado, não é, pequeninos? A ditadura do proletariado, assim como foi na Comuna de Paris. Oh meus pequeninos proletários bem vestidos! Mas tudo isso é só uma fase de transição, não é mesmo? O mais importante é acabar com as classes, com a exploração do homem pelo homem. Viva ao comunismo! Viva a perfeição! Não! Mas não é assim, não é o fim da história, é somente o inicio dela, é o fim da pré-história, não é assim que o velho barbudo dizia? Vocês se lembram dessa frase dele? – Os jovens olhavam pra ele calados, atônitos, faziam apenas uns minúsculos gestos de negação, mas todos com o olhar bem fixo em Nicolas para ver onde tudo aquilo iria dar. As demais pessoas do bar também já começavam a olhar pra ele por causa de toda aquela cena.
Nicolas então caiu na cadeira soltando um suspiro como se fosse de decepção e continuou num tom muito mais baixo e sereno:
- Oh pequeninos, mas vocês não percebem a ação de vocês. Não vê como você é opressor com essa garota, mesmo sem querer? – disse isso se dirigindo a Carlos – E toda essa raiva meus queridos? Utilizam-na contra vocês mesmos e pelo visto devem utilizar contra qualquer um que se coloca no caminho do seu projeto perfeito de revolução. Afinal, quem é o inimigo? Se realmente é como o rapaz ali disse – agora apontou para Eduardo – Se o caso é fazer uma construção coletiva, sem hierarquias, não deveria então existir algum projeto pré-fabricado, a proposta de vocês se anula em si mesma, percebem? E vocês, moças, combatem o machismo dia após dia não é?  E, de fato, devem fazer, deu pra perceber o tanto que ele é presente no cotidiano, como o fato aqui na mesa. Mas o que pretendem fazer? Ter um casamento monogâmico feliz? Com lindas crianças com roupinhas limpinhas e bonitinhas? Sendo que todas elas vão estudar nas melhores escolas particulares para poderem ingressar na faculdade assim como vocês? Vão morar numa casa biossustentável dentro de um condomínio fechado e perceber a cada dia que passar como a boa máscara de seus companheiros, vai se esfacelando aos poucos, revelando o porco dominador e violento que ele é que adora sempre te foder por trás?
Terminou todo esse discurso parecendo estar exausto, corria muito suor de suas têmporas e sua camisa também estava um pouco molhada. Mirou um lugar qualquer na rua com olhar e se fechou numa expressão extremamente séria, praticamente impenetrável.
- Ai, vamo embora daqui? – perguntou Júlia – Eu to morrendo de fome, vamo em algum lugar comer.
- Vamo, vamo sim, eu to super laricado também – Respondeu Eduardo.
A maioria começou a se levantar, parecia que todo aquele discurso de Nicolas tinha momentaneamente cortado à embriaguez deles, estavam se preparando para pagar a conta, quando notaram que Sônia continuava sentada.
- Ué Sônia, você não vem? – perguntou Beatriz, mas a outra nem reagiu a pergunta.
De repente, Nicolas retornou sua mente das sombras e vendo que os jovens estavam indo embora parecia desesperado.
- Não meus queridos, me perdoem. Às vezes o meu jeito afasta as pessoas mesmo, eu sei disso, mas, por favor, não vão embora – Dizia tudo isso com as mãos juntas e cruzadas uma na outra, parecia uma criança implorando algo pra mãe – Se ofendi vocês, sinceramente me desculpem. Mas é que todas essas ideias, tudo isso que discursei pra vocês, comecei a pensar sobre exatamente quando tinha a idade de vocês, devia ser uma idade parecida com a de vocês. Fico pensando, se nessa época minha cabeça produziu essas coisas, o que deve estar fermentando nessas cabecinhas de vocês? Fiquem! Contem-me o que essas cabeças produzem, compartilhem comigo, por favor.
- Não tio, pra gente já deu. – respondeu Júlia – se não, você vai começar a dizer que nossas ideias são contraditórias e não sei o que. – se dirigiram então em direção ao balcão para poderem pagar a conta, mas deram apenas três passos e perceberam que Sônia ainda continuava imóvel e calada na sua cadeira.
- Sônia, você não vem? – perguntou Júlia.
- Não, to de boa. Pega esse dinheiro aqui, deve dar pra pagar a minha parte – e tirou da bolsa uma quantia de dinheiro, estendeu o braço e entregou pra Júlia, mal olhando para ela. Júlia então pegou o dinheiro, porém se abaixou e começou a cochichar no ouvido de Sônia:
- Sônia, eu não acredito que você vai ficar aqui com esse tio muito doido.
- Ai, eu não to com fome, podem ir sem mim, qualquer coisa eu ligo pra vocês.
Júlia deu uma risada inaudível e fez alguns gestos de negação com a cabeça e respondeu:
- Ou, você é muito doida mesmo. Mas você é quem sabe, qualquer coisa liga pra gente então. – Se despediram dando um beijo na bochecha de cada uma, os outros parecendo não acreditar se despediram somente com um aceno de mão.

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