"Há um prazer
nas florestas desconhecidas;
Um entusiasmo na costa solitária;
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Pelo mar profundo e música em seu rugir;
Amo não menos o homem, mas mais a natureza..."
Um entusiasmo na costa solitária;
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Pelo mar profundo e música em seu rugir;
Amo não menos o homem, mas mais a natureza..."
Lord Byron
O close nos olhos
daquele enorme urso pardo revelava indiferença ou algo incompreensível? Era mero
espelho refletor como os óculos que Timothy Tredwell costumava usar? Ou não,
Timothy estava certo, para além do instinto de sobrevivência, naqueles olhos se
escondia algo mais, se escondia algo superior à degradante condição humana?
Herzog pisando na terra
dos restos mortais do louco falso australiano, não só pisa como se posiciona
perante a tudo que vê. Critica o amor desmedido e megalomaníaco de Tredwell
através de cenas de porrada-imagética, como a luta entre dois ursos pardos. Não
havia piedade entre aqueles grandalhões, vide o espetáculo de tufos de pelos, peles
cortadas, mandíbulas arrebentadas e a cereja do bolo quando um dos lutadores
caga um grande monte de merda, demonstrando assim a emoção brutal daquele
momento.
Mas Werner Herzog não resume
seu trabalho em uma crítica a Tredwell.
Não era essa a motivação principal do seu documentário. Para ele havia
beleza na história daquele rapaz e por todo o trabalho do diretor, qualquer um
que tenha assistido ao filme, consegue entender tal beleza. Provavelmente seja difícil
explica-la, porém, algo em nós, ali pela região central do tórax, nunca mais
será o mesmo.
A princípio, a mera
história de um homem apaixonado pelos ursos pardos do Alasca e que fazia de
tudo para protegê-los. E em boa parte assim era, mas se fosse somente isso
talvez tudo se resumisse a uma beleza simplória e rasa. Desde o início, sabemos
que Tredwell morreu assassinado pelos ursos que tanto amava e o absurdo então
que se mostra na questão é posto logo de cara: como um homem que passou trezes
verões de sua vida vivendo com esses animais de repente é assinado pelos
mesmos?
A resposta poderia ser fatídica:
foi tudo movido pelo instinto desses animais que até então, não tiveram a
melhor oportunidade para efetuar a ação e nem estavam gravemente acossados pela
fome, como na época do ocorrido que se tratava de um período de escassez
alimentar.
Mas não, na montagem do
filme, essa resposta não se coloca como a chave de ouro definitiva. Como disse
um amigo, Herzog com sua lente consegue filtrar tanto a personalidade cômica-exacerbada
de Tredwell como o peso da barbárie de sua morte. Cena exemplar é quando o
diretor escuta o áudio da gravação feita pela câmera de Tredwell no momento de
sua morte e de sua namorada pelos ursos. Herzog diz para a ex-companheira de
Timothy: “Jogue isso fora ou se não será um elefante branco em sua sala”.
O diretor que em boa parte usa as próprias
filmagens feitas por Tredwell, parece discutir conosco algo a mais, para além
do que teria sido um frio ato dos animais por uma questão de sobrevivência. É
algo que nos remete a própria existência humana, nossa relação com o
desenvolvimento caótico da natureza e com toda harmonia que as fontes gritantes
de vida selvagem formam.
Até que ponto a
salvação que Tredwell buscava para esses animais não significava a salvação de
si mesmo? A rejeição da própria espécie humana, não seria a rejeição de todo o
seu passado traumático, de todo o seu “desenvolvimento” prévio? A busca de uma
unidade maior? Era difícil para ele aceitar a recusa advinda da outra parte,
dessa própria unidade?
Mas quando ele caminha
com as raposas vermelhas e brinca com elas ou até mesmo quando caminha com um
urso logo atrás de si, Tredwell parece caminhar e ainda mais, brincar conosco.
No fim o que parece ser uma ironia tão forte como sua personalidade nos adentra
como uma indecifrável charada.