segunda-feira, 28 de abril de 2014

Grizzly Man - Werner Herzog

"Há um prazer nas florestas desconhecidas;
Um entusiasmo na costa solitária;
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Pelo mar profundo e música em seu rugir;
Amo não menos o homem, mas mais a natureza..."
Lord Byron

O close nos olhos daquele enorme urso pardo revelava indiferença ou algo incompreensível? Era mero espelho refletor como os óculos que Timothy Tredwell costumava usar? Ou não, Timothy estava certo, para além do instinto de sobrevivência, naqueles olhos se escondia algo mais, se escondia algo superior à degradante condição humana?
Herzog pisando na terra dos restos mortais do louco falso australiano, não só pisa como se posiciona perante a tudo que vê. Critica o amor desmedido e megalomaníaco de Tredwell através de cenas de porrada-imagética, como a luta entre dois ursos pardos. Não havia piedade entre aqueles grandalhões, vide o espetáculo de tufos de pelos, peles cortadas, mandíbulas arrebentadas e a cereja do bolo quando um dos lutadores caga um grande monte de merda, demonstrando assim a emoção brutal daquele momento.
Mas Werner Herzog não resume seu trabalho em uma crítica a Tredwell.  Não era essa a motivação principal do seu documentário. Para ele havia beleza na história daquele rapaz e por todo o trabalho do diretor, qualquer um que tenha assistido ao filme, consegue entender tal beleza. Provavelmente seja difícil explica-la, porém, algo em nós, ali pela região central do tórax, nunca mais será o mesmo.
A princípio, a mera história de um homem apaixonado pelos ursos pardos do Alasca e que fazia de tudo para protegê-los. E em boa parte assim era, mas se fosse somente isso talvez tudo se resumisse a uma beleza simplória e rasa. Desde o início, sabemos que Tredwell morreu assassinado pelos ursos que tanto amava e o absurdo então que se mostra na questão é posto logo de cara: como um homem que passou trezes verões de sua vida vivendo com esses animais de repente é assinado pelos mesmos?
A resposta poderia ser fatídica: foi tudo movido pelo instinto desses animais que até então, não tiveram a melhor oportunidade para efetuar a ação e nem estavam gravemente acossados pela fome, como na época do ocorrido que se tratava de um período de escassez alimentar.
Mas não, na montagem do filme, essa resposta não se coloca como a chave de ouro definitiva. Como disse um amigo, Herzog com sua lente consegue filtrar tanto a personalidade cômica-exacerbada de Tredwell como o peso da barbárie de sua morte. Cena exemplar é quando o diretor escuta o áudio da gravação feita pela câmera de Tredwell no momento de sua morte e de sua namorada pelos ursos. Herzog diz para a ex-companheira de Timothy: “Jogue isso fora ou se não será um elefante branco em sua sala”.
 O diretor que em boa parte usa as próprias filmagens feitas por Tredwell, parece discutir conosco algo a mais, para além do que teria sido um frio ato dos animais por uma questão de sobrevivência. É algo que nos remete a própria existência humana, nossa relação com o desenvolvimento caótico da natureza e com toda harmonia que as fontes gritantes de vida selvagem formam.
Até que ponto a salvação que Tredwell buscava para esses animais não significava a salvação de si mesmo? A rejeição da própria espécie humana, não seria a rejeição de todo o seu passado traumático, de todo o seu “desenvolvimento” prévio? A busca de uma unidade maior? Era difícil para ele aceitar a recusa advinda da outra parte, dessa própria unidade?
Mas quando ele caminha com as raposas vermelhas e brinca com elas ou até mesmo quando caminha com um urso logo atrás de si, Tredwell parece caminhar e ainda mais, brincar conosco. No fim o que parece ser uma ironia tão forte como sua personalidade nos adentra como uma indecifrável charada.